segunda-feira, 3 de agosto de 2009

MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS (Manuel Antônio de Almeida )

INTRODUÇÃO

Nascido no Rio de Janeiro em 1831, Manuel Antônio de Almeida teve existência meteórica, pois morre tragicamente, em 1861, com apenas 30 anos de idade, vitimado por um naufrágio na costa fluminense, ao viajar num vapor com destino a Canipós, no Estado do Rio.

Memórias de um Sargento de Milícias, sua única obra, foi publicado inicialmente, sob anonimato, na forma de folhetins, no suplemento dominical “A Pacotilha” do “Corréio Mercantil”, em 1852, jornal carioca onde trabalhava. Pouco tempo depois, a novela saia publicada na forma de livro, em dois volumes, respectivamente em 1854 e 1855, assinada com o pseudônimo “Um Brasileiro”.

Novela de costumes em que se sente a influência do teatro de Martins Pena com suas comédias costumbristas, o livro de Manuel Antônio inova pela linguagem realista e galhofeira, que não correspondia muito ao gosto da época, motivo por que não teve muita aceitação e parecia mesmo que estava fadado ao naufrágio, como, alias, aconteceu com o autor. o tempo, entretanto, encarregou-se de valorizar a obra, e, se não chegou a explodir, continua viva pelos anos afora e apreciada pelos cultores de unia boa leitura, a ponto de ser indicado para o vestibular da UFMG, já pela segunda vez.

A NOVELA COMO ESPÉCIE LITERÁRIA

Como espécie literária, a novela não se distingue do romance, evidentemente, pelo critério quantitativo, mas pelo essencial e estrutural.

Tradicionalmente, a novela é uma modalidade literária que se caracteriza pela linearidade dos caracteres e acontecimentos, pela sucessividade episódica e pelo gosto das peripécias.

Diferente do romance, a novela não tem a complexidade dessa espécie literária, pois não se detém na análise minuciosa e detalhada dos fatos e personagens. A novela condensa os elementos do romance: os diálogos são rápidos e a narrativa é direta, sem muitas divagações. Nesse sentido, muita coisa que chamamos de romance não passa de novela.

E interessante observar, como revela o critico Massaud Moisés, em Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira, que “as primeiras manifestações de nossa prosa de ficção seriam novelas, ou, pelo menos, estariam contagiadas por sua estrutura fundamental, visto ainda o romance estar apenas aparecendo, na Inglaterra.

Tão forte era o influxo e a tradição da novela que nossa ficção romântica não conseguiu desprender-se de todo: as pecas que hoje classificamos de romance, segundo critérios muito discutíveis, obedecem a um sistema de composição próprio da novela. Basta lembrar as narrativas de Alencar, notadamente as históricas, indianistas e regionalistas de Bernardo Guimarães, de Joaquim Manuel de Macedo, de Franklin Távora, ate culminar nas Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, uma acabada novela de cunho picaresco. Alterou-se a fisionomia social, mudaram os costumes, os tempos são outros, mas a estrutura guarda incontestável sujeição à da novela.”

RESUMO DO LIVRO

Em síntese, o enredo de Memórias de um Sargento de Milícias, “tecido, como observa Antônio Soares Amora no já citado Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira, com muitas peripécias e intrigas, que não deixam, ainda hoje, de entreter e prender o leitor, pode resumir-se na história da vida de Leonardo, filho de dois imigrantes portugueses, a sabia Maria da Hortaliça e Leonardo, “algibebe” em Lisboa e depois meirinho no Rio do tempo do Rei D. João VI: nascimento do “herói”, sua infância de endiabrado, suas desditas de filho abandonado mas sempre salvo de dificuldades pelos padrinhos (a parteira e um barbeiro); sua juventude de valdevinos; seus amores com a dengosa mulatinha Vidinha; suas malandrices com o truculento Major Vidigal, chefe de polícia; seu namoro com Luisinha; sua prisão pelo major; seu engajamento, por punição, no corpo de tropa do mesmo major; finalmente, porque os fados acabaram por lhe ser propícios e não lhe faltou a proteção da madrinha, tudo tem “conclusão feliz”: promoção a sargento de milícias e casamento com Luisinha”.

Para que se tenha uma idéia mais precisa do conteúdo do livro no que se refere ao enredo, vamos transcrever aqui o resumo elaborado pelo Prof. José Rodrigues Gameiro em estudo sobre Memórias de um Sargento de Milícias, no qual o presente trabalho está apoiado.

A obra é dividida em duas partes: a primeira com vinte e três capítulos e a segunda com vinte e cinco.

PRIMEIRA PARTE

I - Origem, Nascimento e Batizado. A novela se abre com a frase “Era no tempo do rei”, que situa a estória no século XIX, no Rio de Janeiro. Narra a vinda de Leonardo-Pataca para o Brasil. Ainda no navio, namora com uma patrícia, Maria da Hortaliça, sabia portuguesa. Daí resultou o casamento e... “sete meses depois teve a Maria um filho, formidável menino de quase três palmos de comprido, gordo e vermelho, cabeludo, espemeador e chorão; o qual, logo depois que nasceu, mamou duas horas seguidas sem deixar o peito”.

Esse menino é o Leonardo, futuro “sargento de milícias” e o “herói” do livro.

O capitulo termina com o batizado do garoto, tendo a “Comadre” por madrinha e o. barbeiro ou “Compadre” por padrinho, personagens importantes da estória.

II - Primeiros Infortúnios. Leonardo-Pataca descobre que Maria da Hortaliça, sua mulher, o traía com vários homens; dá-lhe uma surra e ela foge com um capitão de navio para Portugal.

O filho, depois de levar um pontapé no traseiro, é abandonado e o padrinho se encarrega dele.

III - Despedida às Travessuras. O padrinho, já velho, e sem ter a quem dedicar sua afeição, ficou caído pelo garoto, concentrando todos os seus esforços no futuro de Leonardo e desculpando todas as suas travessuras.

Depois de muito pensar, resolveu que ele seria padre.

IV - Fortuna. Leonardo-Pataca apaixonou-se por uma cigana que também o abandona. Para atraí-la novamente, recorre a feitiçarias de um caboclo velho e imundo que morava num mangue. Na última prova, à noite, quando estava nu e coberto com o manto do caboclo, aparece o Major Vidigal...

V - O Vidigal. Este capítulo descreve o Major - “um homem alto, não muito gordo, com ares de moleirão; tinha o olhar sempre baixo, os movimentos lentos, e a voz descansada e adocicada”. Era a polícia e a justiça da época, na cidade.

Depois de obrigar todos que se achavam na casa do caboclo a dançar, até não agüentarem mais, chicoteia-os e leva Leonardo para a “Casa da Guarda”, espécie de depósito de presos. Depois de visto pelos curiosos, é transferido para a cadeia.

VI - Primeira Noite Fora de Casa. Leonardo filho vai acompanhar uma “Via Sacra” de rua, muito comum naquela época, e junta-se a outros moleques. Acabam passando a noite num acampamento de ciganos. Descreve-se a festa e a dança do fado. De manhã, Leonardo pede para voltar para casa.

VII - A Comadre. Era a madrinha de Leonardo - “uma mulher baixa, excessivamente gorda, bonachona, ingênua ou tola até um certo ponto, e finória até outro; vivia do oficio de parteira, que adotara por curiosidade e benzia de quebranto...”. Gostava de ir à missa e ouvir o cochicho das beatas. Viu a vizinha do barbeiro e logo quis saber do que é que ela falava.

VIII - O Pátio dos Bichos. Assim era chamada a sala onde ficavam os velhos oficiais a serviço de El-Rei, esperando qualquer ordem.

No meio deles, estava um Tenente-Coronel a quem a Comadre vai pedir para interceder junto a El-Rei para soltar Leonardo-Pataca.

IX - O Arranjei-me do Compadre. O autor conta-nos como o barbeiro conseguiu arranjar-se na vida, apesar de sua profissão pouco rentável: improvisou-se de médico, ou melhor, “sangrador”, a bordo de um navio que vinha para o Brasil. O Capitão moribundo, entregou-lhe todas as economias para que as levasse à sua filha (do Capitão). Quando chegou a terra, ficou com tudo e nunca procurou a herdeira.

X - Explicações. O Tenente-Coronel interessara-se pelo Leonardo porque, de certa forma, ele o havia livrado de certa obrigação: seu filho, um desmiolado, é que havia infelicitado a tal de Mariazinha, a Maria da Hortaliça, ex-mulher de Leonardo. Por isso empenha-se e, por meio de um outro amigo, consegue que El-Rei solte Leonardo.

XI - Progresso e Atraso. Este capítulo é dedicado às dificuldades que o padrinho encontra para ensinar as primeiras letras ao afilhado e às implicâncias da vizinha. A seguir vem um bate-boca entre os dois, com o menino arremedando a velha, e com grande satisfação para o barbeiro que se julga “vingado”.

XII - Entrada para a Escola. É uma descrição das escolas da época. Aborda a importância da palmatória e nos conta como o novo e endiabrado aluno leva bolos de manhã e à tarde.

XIII - Mudança de Vida. Depois de muito esforço e paciência, o padrinho convence ao afilhado de voltar para a escola, mas ele foge habitualmente e faz amizade com o coroinha da Igreja. Pede ao padrinho, e este acede, para também ser coroinha. Pensava assim o barbeiro que seria meio caminho andado para se tomar padre. Como coroinha, aproveitou-se dessa função para jogar fumaça de incenso na cara da vizinha e derramar-lhe cera na mantilha. Vingava-se assim dela.

XIV - Nova Vingança e Seu Resultado. Neste capitulo, aparece o “Padre Mestre de Cerimônias”, que, embora de um exterior austero, mantinha relações com a cigana, a mesma que abandonara Leonardo-Pataca e fora causa de sua função. No dia da festa da Igreja da Sé, o Mestre de Cerimônia prepara-se orgulhosamente para proferir seu sermão.

O menino Leonardo, encarregado de avisar-lhe a hora do sermão, informa-lhe que será às 10 horas, quando na verdade devia ser às 9.

Um capuchinho italiano, para cooperar, e porque o pregador não chegava, começou a homilia.

Depois de algum tempo, chega o Mestre, furioso, e corre para o púlpito também. Após um bate-papo com o religioso, toma o lugar dele e continua o sermão. O resultado foi o sacristão ser despedido.

XV - Estralada. Leonardo-Pataca, sabendo que o Mestre de Cerimônias é que lhe tirara a cigana e que este iria ao aniversário dela, contratou Chico-Juca para criar confusão na festa. Avisou antecipadamente o Major Vidigal, que prende todo mundo, inclusive o Padre, e os leva para a “Casa da Guarda”.

XVI - Sucesso do Plano. O Mestre de Cerimônias, com o escândalo, foi obrigado a deixar a cigana, voltando para Leonardo, que recebe as censuras da Comadre.

XVII - D. Maria. O capitulo é dedicado a D. Maria, “uma mulher velha, muito gorda; devia ter sido muito formosa no seu tempo, porém dessa formosura só lhe restaram o rosado das faces e a alvura dos dentes...”; “...tinha bom coração e era benfazeja, devota e amiga dos pobres, porém, em compensação destas virtudes, tinha um dos piores vícios daquele tempo e daqueles costumes; era a mania das demandas...”

Em sua casa, estavam reunidos, por causa da “Procissão dos Ourives”, o Compadre e o menino, a Comadre e a vizinha O assunto gira em tomo das peripécias do garoto, que aproveita a ocasião e pisa a saia da vizinha, rasgando-a.

A seguir, todos discutem o futuro do rapaz. Depois de cada um dar o palpite, D. Maria sugere que ele seja “Procurador de Causas...”

XVIII - Amores. Leonardo não correspondeu a nenhum dos desejos do padrinho: não foi para Coimbra, não se fez padre, não trabalhou em cartório algum e não foi para a Conceição. Tomou-se um vadio. Um vadio comum, que simplesmente não pensa em nada, vai-se deixando levar pelos acontecimentos sem tirar proveito pessoal de nenhum.

Enquanto isso, Leonardo-Pataca acaba casando-se com a sobrinha da Comadre.

Por sua vez, D. Maria ganha a demanda para ser tutora de uma sobrinha órfã e começa a receber a visita freqüente do Compadre com o afilhado. A sobrinha de D. Maria era já bem desenvolvida, mas muito desajeitada: tinha perdido a graça da menina e não adquirira ainda a beleza da moça.

Leonardo saiu rindo dela, mas não a esqueceu jamais.

XIX - Domingos do Espírito Santo. Na “Festa do Divino”, o Compadre vai com D. Maria e Leonardo ao Campo para ver o fogo. Leonardo começa a apaixonar-se pela sobrinha de D. Maria.

XX - O Fogo no Campo. Terminada a “Festa do Divino” com foguetes e fogos de artifício, Leonardo e Luisinha, sobrinha de D. Maria, tomam-se íntimos.

XXI - Contrariedades. Luisinha voltou ao seu silêncio interior e um novo personagem aparece: é o José Manuel. Muito experiente na vida, passa a cortejar D. Maria, mas interessado na sobrinha e principalmente na herança dela.

XXII - Aliança. O Padrinho e a Comadre aliam-se num só plano contra José Manuel.

XXIII - Declaração. Numa cena ridícula, todo desajeitado, depois de muitas tentativas e retrocessos, Leonardo consegue declarar-se a Luisinha.

SEGUNDA PARTE

I - A Comadre em Exercício. Aqui, o autor narra o nascimento da filha de Leonardo-Pataca e de Chiquinha. A Comadre faz o parto, e o autor aproveita para fazer interessante descrição dos costumes da época.

II - Trama. A Comadre, numa aliança com o sobrinho e o Compadre contra José Manuel, inventa para D. Maria que este fora o raptor da moça na porta da Igreja (um caso policial da época).

III - Derrota. José Manuel põe-se em campo para saber quem é seu adversário e quem tinha feito a intriga perante D. Maria.

IV - O Mestre de Reza. Os mestres de reza da época eram geralmente cegos que ensinavam às crianças as primeiras rezas e o catecismo. Faziam-no á base da palmatória. O Mestre de Reza encarregou-se de descobrir, para José Manuel, quem era o intrigante.

V - Transtorno. O Compadre morre e deixa Leonardo como seu herdeiro. Segue-se a cerimônia de luto e o enterro. Leonardo volta para a casa do pai. A Comadre, que também mora com a filha, faz agora as vezes do Compadre. Leonardo não se entende com a madrasta, Chiquinha.

VI - Pior Transtorno. Leonardo, ao voltar da casa de Luisinha, aborrecido por não a ter visto, briga com Chiquinha. O pai intervém de espada, e Leonardo foge de casa.

A Comadre censura os dois e vai procurar o afilhado, enquanto os vizinhos comentam as ocorrências...

VII - Remédio dos Males. Ao fugir de casa, Leonardo encontra o antigo colega, o Sacristão da Sé, num pique-nique em companhia de moças e rapazes, o qual o convida para ficar; ele aceita e enche-se de amores por Vidinha, cantora de modinhas, que tocava viola.

“Vidinha era uma mulatinha de dezoito a vinte anos, de altura regular. ombros largos, peito alteado, cintura fina e pés pequeninos; tinha os olhos muito pretos e muito vivos, os lábios grossos e úmidos, os dentes alvíssimos. a fala era um pouco descansada, doce e afinada.”

VIII - Novos Amores. Este capitulo faz a descrição da nova família que acolhe Leonardo. Era composta de duas irmãs viúvas, uma com três filhos e a outra com três filhas. Passavam dos quarenta anos e eram muito gordas e parecidas. Os três filhos da primeira tinham mais de 20 anos e eram empregados no trem. As moças, mais ou menos da idade dos rapazes, eram bonitas, cada uma a seu modo. Uma delas era Vidinha.

IX - José Manuel Triunfa. A Comadre procurou Leonardo por toda parte e, não o encontrando, foi à casa de D. Maria, que a repreendeu por “ter cometido um grande...”

Ela logo entendeu e percebeu que José Manuel estava regenerado aos olhos de D. Maria; e também chegou à conclusão de que o cego Mestre de Reza é que tinha desvendado tudo.

A Comadre desculpa-se e toma conhecimento do interesse de José Manuel por Luisinha.

X - O Agregado. Leonardo fica agregado na nova família, como era costume naquela época. Dois irmãos pretendentes a Vidinha unem-se contra Leonardo, que estava gostando dela.

Vidinha e as Velhas tomam o partido de Leonardo. Houve briga e confusões.

Leonardo decidiu sair da casa, mas as velhas não consentem. Chega a Comadre.

XI - Malsinação. Depois de conferências entre as velhas e a Comadre, Leonardo fica, para alegria de Vidinha.

Os primos vencidos, combinam um modo de vingar-se

Fizeram uma patuscada semelhante à que haviam feito quando conheceram Leonardo e avisaram o Major Vidigal... Este chega no meio da farra e prende Leonardo.

XII - Triunfo Completo de José Manuel. José Manuel ganha uma causa forense para D. Maria e, com isso, consegue o consentimento para casar-se com Luisinha, que Leonardo já havia esquecido; ela aceita com indiferença o novo pretendente. Há festa e casamento em carruagens - “destroços da arca de Noé”.

XIII - Escápula. A caminho da prisão, Leonardo procura um jeito de fugir. O Major adivinha o pensamento do moço e presta atenção a todos os seus movimentos. Entretanto, na hora em que surgiu um pequeno tumulto na rua, e o Major desviou a atenção do prisioneiro, Leonardo escapuliu e foi para a casa de Vidinha.

O Major, pasmado com o acontecido, procura-o por toda parte, com os granadeiros.

XIV - O Vidigal Desapontado. Vidigal, com o orgulho ferido, sobretudo devido às zombarias do povo, jurou vingar-se. A Comadre, entretanto, que não sabia da fuga, procura o Major e, ajoelhada a seus pés, chora e suplica pelo afilhado.

Os granadeiros riam dela cada vez que gritava - solte, solte!

XV - Caldo Entornado. Tendo sabido da fuga de Leonardo, a Comadre dirigiu-se à casa das velhas e pregou um sermão ao afilhado, concitando-o a que abandonasse a vadiagem e procurasse um emprego. Ela mesma consegue para ele uma ocupação na “Ucharia Real”.

O Major não gostou disso porque assim não poderia prendê-la Ucharia, morava um tal de Toma-Largura, assim chamado pela sua estampa grotesca, em companhia de uma mulher bonita Leonardo começa a demorar cada vez mais no trabalho e a esquecer Vidinha.

Um dia, Toma-Largura surpreendeu-o tomando sopa com sua mulher e corre atrás dele escorraçando-o de casa. No dia seguinte, Leonardo é despedido do emprego.

XVI - Ciúmes. Vidinha, extremamente ciumenta, quando soube do acontecido, foi tomar satisfação com a mulher do Toma-Largura, depois de gritar, chorar e ameaçar.

Leonardo vai atrás e se encontra com o Major Vidigal, que o prende.

XVII - Fogo de Palha. Vidinha começa a xingar Toma-Largura e a mulher. Como não houvesse reação dos dois, ficou desconcertada, tomou a mantilha e saiu. Toma-Largura, encantado com Vidinha, resolveu conquistar nem que fosse uma diminuta parcela de seu amor, porque assim se vingaria de Leonardo e satisfaria seu desejo de conquista amorosa. Desse modo, acompanhou a moça para saber onde ela morava.

XVIII - Represálias. Quando Vidinha chegou a casa, deram também por falta de Leonardo. Mandam-no procurar por toda parte e nada. Suspeitam do Major, mas não o encontram na Casa da Guarda.

A Comadre, avisada, põe-se em campo à procura do afilhado, mas também não o encontra. A família que hospedava Leonardo começou a odiá-lo, julgando que ele se havia ocultado propositalmente.

Enquanto isso, o Toma-Largura começa a rodear a casa de Vidinha para cumprimentá-la. Mal imagina ele o que lhes estão preparando...

Recebido em casa, resolvem comemorar a aproximação com uma patuscada nos “Cajueiros”, no mesmo lugar onde Leonardo conhecera a família. E claro que o Toma-Largura lá estava. E como gosta de beber, acabou provocando uma grande confusão na festa. Inesperadamente chega o Vidigal com um grupo de granadeiros e dá ordem a um deles para levar o Toma-Largura preso. Este granadeiro era Leonardo.

XIX - O Granadeiro. Depois de preso, o Toma-Largura foi abandonado na calçada porque estava completamente bêbado e sem condições de andar. A seguir, o autor conta como Leonardo fora transformado em granadeiro: depois de preso foi escondido por Vidigal e levado para sentar praça no Regimento Novo. A seguir, foi requisitado para ajudar o Major nas tarefas policiais. Era a maneira de o Vidigal se vingar.

Leonardo mostrou-se bom de serviço, mas participou de uma “diabrura” quando, em missão, representou Vidigal, defunto, numa cena para ridicularizá-lo.

XX - Novas Diabruras. O Major decide prender Teotônio, um grande animador de festas, onde tocava e cantava modinhas e mostrava outras habilidades, como banqueiro de jogo.

Teotônio, na festa de batizado do filho de Leonardo-Pataca com a filha da Comadre, fez caretas e mímicas imitando o Major, que estava presente, para risada geral do público. O Major sai correndo e incumbe Leonardo de prender Teotônio.

Leonardo, muito bem recebido na casa, revela a missão de que estava incumbido e, de comum acordo com Teotônio, concebe um plano para lograr o Major.

XXI - Descoberta. Leonardo foi cumprimentado por um amigo indiscreto, na frente do Major, pela façanha, e este o prende imediatamente.

Enquanto isso, o José Manuel, depois da lua-de-mel com Luisinha, começou a mostrar que não era lá grande coisa. Isso fez com que D. Maria se aliasse à Comadre para soltar Leonardo.

XXII - Empenhos. Depois de uma tentativa frustrada junto ao Major, a Comadre pede os préstimos de D. Maria que, por sua vez, recorre a Maria Regalada. Chamava-se assim por ser muito alegre, ria-se de tudo. Morava na Prainha, e, quando mais nova, era uma “mocetona de truz”. Já era conhecida do Major, com quem há tempos tivera encontros amorosos.

XXIII - As Três em Comissâo. As três vão ao Major pedir-lhe para soltar Leonardo. Ele mostra-se inicialmente inflexível como o cargo e o lugar exigiam. Como as três rompessem em prantos, ele não se conteve e chorou também, feito um bobo. Depois recompôs-se e ficou novamente durão.

Entretanto, Maria Regalada cochichou-lhe qualquer coisa ao ouvido, e ele logo promete não somente soltar Leonardo como alguma coisa mais.

XXIV - A Morte é Juiz. José Manuel, com a ação que lhe moveu a sogra, tem um ataque de apoplexia e morre.

Leonardo, libertado, chega à noitinha e a primeira coisa que procura é Luisinha. Tinha sido promovido a sargento. A admiração um pelo outro é recíproca.

XXV - Conclusão Feliz. Depois do luto, Leonardo e Luisinha recomeçam o namoro. Os dois querem casar-se, mas há uma dificuldade: Leonardo era soldado, e soldado não podia casar. Levaram o problema ao Major, que vivia com Maria Regalada. Esse fora o preço pela soltura do Leonardo.

Por influência da mulher, o Vidigal logo arranjou um jeito: dar baixa em Leonardo como tropa de linha e nomeá-lo “Sargento de Milícias”.

Leonardo pai entrega ao filho a herança que lhe deixara o padrinho barbeiro. Leonardo e Luisinha casam-se. E agora aparece “o reverso da medalha”:

“Seguiu-se a morte de D. Maria, a do Leonardo-Pataca, e uma enfiada de acontecimentos tristes que pouparemos aos leitores, fazendo aqui ponto .final.”

ORGANIZAÇÃO ESTRUTURAL

1) A novela está dividida em duas partes bem distintas: a primeira com 23 capítulos e a segunda com 25.

2) Os episódios são quase autônomos, só ligados pela presença de Leonardo, dando à obra uma estrutura mais de novela que de romance, como já ficou observado.

3) O leitor acompanha o crescimento do herói com sua infância rica em travessuras, a adolescência com as primeiras ilusões amorosas e aventuras, e o adulto, que, com o senso de responsabilidade, que essa idade exige, vai-se enquadrando na sociedade, o que culmina com o casamento.

4) Para Mário de Andrade, trata-se de uma novela picaresca de influência hispânica.

Manuel Bandeira, em uma de suas crônicas, conta que o grande escritor espanhol Francisco Ayala leu a novela e, de tão encantado, traduziu-a para o espanhol e escreveu no prefácio a palavra que melhor lhe pareceu qualificá-la: obra-prima, acrescentando que As Memórias se inserem na linhagem dos romances picarescos. E olhe que Ayala é da terra da ficção picaresca. Ninguém, pois, melhor qualificado para conferir a láurea.

Não obstante, o nosso pícaro tem características próprias, que o afastam do modelo espanhol, como ressalta o critico Antônio Cândido, m “Dialética da Malandragem”: “Digamos então que Leonardo não é um pícaro saído da tradição espanhola, mas sim o primeiro grande malandro que entra na novelística brasileira, vindo de uma tradição folclórica e correspondendo, mais do que se costuma dizer, a certa atmosfera cómica e popularesca de seu tempo, no Brasil.

5) Freqüentemente identificadas por suas profissões e caracteres fisicos, as personagens se enquadram na categoria de planas, não apresentando, portanto, traços psicológicos densos e profundos. O protagonista da estória (Leonardo), que foge completamente aos padrões de herói romântico, é igualmente uma personagem plana, sem traços psicológicos profundos que marquem a sua personalidade.

Assim, pois, predomina sempre o sentido visual e não a percepção psicológica. Os personagens distinguem-se pelo físico de absoluta nitidez, não falam, e algumas figuras ficam mudas quase todo o tempo, como acontece com Luisinha e o próprio Leonardo.

6) Na construção da obra, muitas vezes há falhas que se explicam devido ao fato de o livro ter sido escrito em meio à algazarra de uma república de estudantes, como testemunha o biógrafo de Manuel Antônio, Marques Rebelo:

a) A amante de Leonardo pai, na primeira parte, figura como sobrinha da parteira; na segunda, aparece como filha desta.

b) Por outro lado, os primos de Vidinha inicialmente eram três e no final só aparecem dois.

c) A moça cujo rapto foi atribuído a José Manuel aparece como filha de uma viúva, mas, pouco depois, o mesmo José Manuel foi salvo graças ao pai da rapariga.

d) Ao contrário do que ocorre nas obras de “memórias”, aqui a narrativa não é feita em primeira pessoa como acontece geralmente com esse gênero literário, mas em terceira pessoa; talvez porque não se trata realmente de um livro de memórias.

e) Para Paulo Rónai, que traduziu a obra para o francês, o título deveria ser: “Como se Faz um Sargento de Milícias , pois, segundo confessa, teve tentação de colocar, como titulo, na tradução francesa -“Comment on devi ent un Sargent de la Mi/ice ‘. Já para Olívio Montenegro, o título poderia ser: “Cenas da Vida Carioca”.

ESTILO DE ÉPOCA

Tendo surgido em pleno Romantismo, Memórias de um Sargento de Milícias apresenta uma narrativa desembaraçada, com conversações colhidas ao vivo e uma multidão de personagens vivos, extraídos da gente do povo, primando pela originalidade.

Entretanto, podem-se detectar, na obra, aspectos que traem não só o Romantismo como o Realismo:

1) Não parece ser muito apropriado considerar o livro como obra precursora do Realismo no Brasil, embora seu autor haja revelado conhecer a “Comédia Humana”, de Balzac, e ter recebido influências dela.

Falta-lhe, sem dúvida, a intenção realista, apesar da presença de muitos elementos denunciadores desse estilo de época, como ressalta José Verissimo: “o autor pratica, no romance brasileiro, o que já é licito chamar obra psicológica e de meio: a descrição pontual, a representação realista das coisas, mas fugindo às cruezas.

2) Ao contrário do que ocorre no Romantismo, o cenário não é o dos palácios reais com festas e diversões ao gosto dos nobres, nem a natureza; são as ruas cheias de gente, por onde desfilam meirinhos, parteiras, devotas, granadeiros, sacristães, vadios, brancos, pardos e pretos: gente do povo, de todas as raças e profissões. Povo sem nome, simplesmente designado por mestre de reza, parteira, barbeiro, toma largura, etc. Assim, existe, no livro, uma preocupação documental bem ao gosto realista.

3)-Além disso, destacam-se na obra o sentimento anti-religioso e anticlericalista, o horror aos padres e o desprezo pelas beatas, a caricatura e a ironia, que são ingredientes sabidamente caracterizadores do estilo realista:

- ‘O Divino Espírito Santo

E um grande folião,

Amigo de muita carne.

Muito vinho e muito pão.

A cena do clérigo, mestre de cerimônias, no quarto de uma cigana prostituta, em noite de festa e nos trajes em que o autor o coloca é digna de mestres do Realismo, como Eça de Queiroz, por exemplo.

Por outro lado, a presença do Romantismo também é notória na obra:

1) A busca do passado, que é uma fixação comum no estilo romântico, serve de ponto de partida para o autor, como se vê na abertura do livro: “Era no tempo do rei”.

Conforme ressalta Paulo Rónai, “orgulha-se o autor de não participar dos exageros românticos, mas, saudoso do passado, explica o interesse pelos tempos antigos com a alegação de querer mostrar que os costumes de outrora não eram superiores aos de seu tempo. Só mero pretexto: ele só não admitia os excessos dos ultra-românticos.”

2) Como é freqüente no Romantismo, que tem, ao lado de uma certa tendência para finais tétricos, propensão para as conclusões açucaradas, todos os capítulos e a própria novela terminam num “happy end ‘, ou final feliz.

3) A despreocupação com a correção gramatical e o aproveitamento da fala e de expressões populares mostram bem a tendência para a liberalização da expressão, que é outra conquista do Romantismo, forjada na esteira do liberalismo da época, como revelam os exemplos abaixo:

A vista disto nada havia a duvidar: o pobre homem perdeu. como se costuma dizer, as estribeiras,...”

"Quando amanheceu, acordou sarapantado...."

"— Olá, Leonardo! Por que carga d ‘água vieste parar a estas alturas? Pensei que te tinha já o diabo lambido os ossos, pois depois daquele maldito dia em que nos vimos em pancadaria, por causa do mestre-de-cerimônias, nunca mais te pus a vista em cima.”

"— Escorropicha essa garrafa que ai resta, disse-lhe o amigo...

“— Fui para casa de meu pai... e de repente, hoje mesmo. brigo lá com a cuja dele...”

Na onda dessa liberalização, há verdadeiras incorreções gramaticais, conforme atestam estes exemplos:

"Naquela família haviam três primos.”

“Nas causas de sua imensa alçada não haviam testemunhas...”

"...ele expôs-me certas coisas... e que eu enfim não quis dar crédito.”

"... Fazia o mestre em voz alta o pelo-sinal. pausada e vagarosamente, no que o acompanhava em coro todos os discípulos.”

4) Como é comum no Romantismo, algumas situações são criadas artificialmente. Revela-o sobretudo o fato de Leonardo transformado em granadeiro e posteriormente em Sargento de Milícias.

Assim, embora apresente características que lembram os estilos realista e romântico, Memórias de um Sargento de Milícias se destaca por sua originalidade, afastando-se dos padrões da época, como observou Mário de Andrade, que considerava essa novela uma obra isolada.

LINGUAGEM

1) A linguagem utilizada pelo autor em toda a novela, embora de cunho popular e com bastantes incorreções, tem muito do linguajar tipicamente português, o que revela, sem dúvida, a marcante presença da gente lusitana em nossa terra no “tempo do rei”:

"Não quero cá saber de nada...”

"— Pois estoure, com trezentos diabos!”

"... há de ser um clérigo de truz.”

"... regulando-se a ouvir modinhas...”

"— E a noiva?.., respondia a outra: arrenego também da lambisgoia...

E outras expressões como tira-te lá, tranco-te essa boca a socos; mais pequena, com a cuja dele, etc.

2) Outras vezes prima por usar construções bem clássicas:

"... o que o distinguia era ver-se-lhe constantemente ./ora de um dos bolsos, o cabo de uma tremenda palmatória,..."

“Coimbra era a sua idéia fixa, e nada /ha arrancava da cabeça."

"... e quando tiver 12 ou 14 anos há de me entrar para a escola.

"... e isto era natural a um bom português, que o era ele.”

3) A ironia e o gosto pela gozação acompanham a obra do começo ao fim.

"A carruagem era um formidável, um monstruoso maquinismo de couro, balançando-se pesadamente sobre quatro desmesuradas rodas. Não parecia coisa muito nova; e com mais de dez anos de vida poderia muito bem entrar no número dos restos infelizes do terremoto, de que fala o poeta.

“Luisinha, conduzida por D. Maria, que lhe ia servir de madrinha, embarcou num dos destroços da arca de Noé. a que chamamos carruagem; "

“Entre os honestos cidadãos que nisto se ocupavam, havia, na época desta história um certo Chico-Juca. afamadíssimo e temível.”

“Eis aqui como se explica o arranjei-me, e como se explicam muitos outros que vão ai pelo mundo.”

ASPECTOS TEMÁTICOS MARCANTES

1) Para Antônio Soares Amora, “a intenção do autor, ao escrever seu romance de folhetins para a “Pacotilha”, não é difícil perceber; oferecer ao leitor, de um lado, um romance engraçado, pelos tipos que nele entravam, pelas suas expressões, pelas suas atitudes e ações; de outro, um romance de costumes populares, de um Rio que deixara de existir, com a modernização da vida carioca, iniciada no decênio de 1830; um Rio do começo do século, ronceiro e roceiro, mas bem mais pitoresco e alegre, pelas despreocupações de sua gente e pelas festas populares (procissões, folias do Divino, fogos no Campo de Santana, as súcias), e por isso um Rio de que os mais velhos, nos anos de 1850, se recordavam com nostalgia.”

2) Além desses aspectos citados, que configuram bem a “época do Rei” (início do século XIX, quando D. João VI esteve no Brasil fugido de Napoleão), destaca-se também no livro o anticlericalismo típico da época, em que se expõem as safadezas de padres e outros podres da Igreja de Roma.

"— Olá, Leonardo! Por que carga d ‘água vieste parar a estas alturas? Pensei que te tinha já o diabo lambido os ossos, pois depois daquele maldito dia em que nos vimos em pancadaria, por causa do mestre-de-cerimônias, nunca mais te pus a vista em cima.”

"— Escorropicha essa garrafa que ai resta, disse-lhe o amigo...

“— Fui para casa de meu pai... e de repente, hoje mesmo. brigo lá com a cuja dele...”

Na onda dessa liberalização, há verdadeiras incorreções gramaticais, conforme atestam estes exemplos:

"Naquela família haviam três primos.”

“Nas causas de sua imensa alçada não haviam testemunhas...”

"...ele expôs-me certas coisas... e que eu enfim não quis dar crédito.”

"... Fazia o mestre em voz alta o pelo-sinal. pausada e vagarosamente, no que o acompanhava em coro todos os discípulos.”

4) Como é comum no Romantismo, algumas situações são criadas artificialmente. Revela-o sobretudo o fato de Leonardo transformado em granadeiro e posteriormente em Sargento de Milícias.

Assim, embora apresente características que lembram os estilos realista e romântico, Memórias de um Sargento de Milícias se destaca por sua originalidade, afastando-se dos padrões da época, como observou Mário de Andrade, que considerava essa novela uma obra isolada.

LINGUAGEM

1) A linguagem utilizada pelo autor em toda a novela, embora de cunho popular e com bastantes incorreções, tem muito do linguajar tipicamente português, o que revela, sem dúvida, a marcante presença da gente lusitana em nossa terra no “tempo do rei”:

"Não quero cá saber de nada...”

"— Pois estoure, com trezentos diabos!”

"... há de ser um clérigo de truz.”

"... regulando-se a ouvir modinhas...”

"— E a noiva?.., respondia a outra: arrenego também da lambisgoia...

E outras expressões como tira-te lá, tranco-te essa boca a socos; mais pequena, com a cuja dele, etc.

2) Outras vezes prima por usar construções bem clássicas:

"... o que o distinguia era ver-se-lhe constantemente ./ora de um dos bolsos, o cabo de uma tremenda palmatória,..."

“Coimbra era a sua idéia fixa, e nada /ha arrancava da cabeça."

"... e quando tiver 12 ou 14 anos há de me entrar para a escola.

"... e isto era natural a um bom português, que o era ele.”

3) A ironia e o gosto pela gozação acompanham a obra do começo ao fim.

"A carruagem era um formidável, um monstruoso maquinismo de couro, balançando-se pesadamente sobre quatro desmesuradas rodas. Não parecia coisa muito nova; e com mais de dez anos de vida poderia muito bem entrar no número dos restos infelizes do terremoto, de que fala o poeta.

“Luisinha, conduzida por D. Maria, que lhe ia servir de madrinha, embarcou num dos destroços da arca de Noé. a que chamamos carruagem; "

“Entre os honestos cidadãos que nisto se ocupavam, havia, na época desta história um certo Chico-Juca. afamadíssimo e temível.”

“Eis aqui como se explica o arranjei-me, e como se explicam muitos outros que vão ai pelo mundo.”

ASPECTOS TEMÁTICOS MARCANTES

1) Para Antônio Soares Amora, “a intenção do autor, ao escrever seu romance de folhetins para a “Pacotilha”, não é difícil perceber; oferecer ao leitor, de um lado, um romance engraçado, pelos tipos que nele entravam, pelas suas expressões, pelas suas atitudes e ações; de outro, um romance de costumes populares, de um Rio que deixara de existir, com a modernização da vida carioca, iniciada no decênio de 1830; um Rio do começo do século, ronceiro e roceiro, mas bem mais pitoresco e alegre, pelas despreocupações de sua gente e pelas festas populares (procissões, folias do Divino, fogos no Campo de Santana, as súcias), e por isso um Rio de que os mais velhos, nos anos de 1850, se recordavam com nostalgia.”

2) Além desses aspectos citados, que configuram bem a “época do Rei” (início do século XIX, quando D. João VI esteve no Brasil fugido de Napoleão), destaca-se também no livro o anticlericalismo típico da época, em que se expõem as safadezas de padres e outros podres da Igreja de Roma.

3) Ao traçar o perfil de Leonardo, protagonista da novela, o autor retrata um tipo genuinamente brasileiro, com sua malandragem bem carioca e sua propensão ao “dolce far niente” (= não fazer nada, ócio), numa aversão ao trabalho, que antecipa, em quase um século, o celebrado “herói sem nenhum caráter” e modelo de nossa gente, Macunaíma, do modernista Mário de Andrade.

4) Apresentando um perfil pautado pela retidão e pelo senso de responsabilidade, que o aproxima mais do herói tradicional que Leonardo, o major Vidigal é bem a encarnação do poder constituído e da ordem estabelecida. Com sua implacabilidade à cata de malandros, o major representa, sem dúvida, o guardião de normas sociais que padronizam comportamentos e enquadram tipos rebeldes que ousam transgredi-las.

5) Simbolicamente, dada a liberdade que me permite a teoria da obra aberta, pode-se ver, nessas “memórias” de Leonardo, a trajetória existencial de qualquer ser humano, desde o nascimento, quase sempre fruto de um amor que brota com uma “pisada no pé” (que varia conforme o costume da época...), até o enquadramento social, que se concretiza com o casamento e sobretudo com a investidura da camisa de força imposta pelo major Vidigal. Sem dúvida, o “happy end” da conclusão é um final irônico, em que o ser humano dá adeus às travessuras e às ilusões para se enjaular nos limites estreitos de uma vidinha miúda e besta, pautada pelo bom comportamento de um sargento de milícias

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